Por Ivan Zacharauskas
Há alguns anos,
começando a praticar hatha yoga, lembro-me de numa aula estar buscando o
equilíbrio em pouso sobre a cabeça (salamba sirsasana) e sentir, de início
lentamente e depois cada vez mais rápido, a queda de costas e o inevitável
aproximar-se do chão do qual nada passa. Deixei-me cair, rolei com o corpo
solto e a queda foi tranquila.
Tempos depois, dando
aulas na mesma escola, um aluno perguntou-me o motivo de praticarmos pouso
sobre a cabeça, quando tantas outras posturas invertidas estavam disponíveis no
hatha yoga. Estudei minha prática pessoal, refleti e busquei uma resposta para as
aulas seguintes.
Manifestei minha
opinião de que um professor de hatha yoga, uma prática claramente psicofísica, sempre
deveria explorar, com o devido conhecimento necessário, os aspectos
psicológicos das posturas (asanas).
Neste sentido, ao
realizarmos uma postura da vela, na qual podemos claramente visualizar nosso
corpo acima de nossa cabeça e sentir nossos ombros bem apoiados no chão, na
qual podemos facilmente pressentir e visualizar uma eventual queda de costas, não
há este medo, não há este receio de cair para o desconhecido, não há esta entrega
ao cair igual ao que faria uma criança ou uma pessoa sem o tal MEDO.
Quando há o medo, o
corpo se enrijece e a queda é dolorida. Ao contrário, quando praticamos o pouso
sobre a cabeça com posturas e movimentos preparatórios, conhecendo e
conquistando cada passo, inclusive e principalmente as diversas possibilidades
de queda, nos tornamos confiantes, nos entregamos de corpo, mente e alma à
prática e à postura. Conquistamos de fato a postura e ela, efetivamente, pode
tornar-se relativamente "estável e confortável".
Voltando ao aluno, foi
com muita emoção que recebi seu depoimento sobre o quanto sua vida havia mudado
após haver conquistado o pouso sobre a cabeça, após ter vencido seu MEDO com
CORAGEM. Seus relacionamentos ficaram mais tranquilos, seus desafios no
trabalho começaram a ser vencidos com maior flexibilidade e determinação, sua
aceitação de si mesmo e de sua capacidade de trabalhar as adversidades foi
fortalecida.
Acredito que uma
prática de hatha yoga, na qual buscamos o equilíbrio entre não-violência e
determinação (ahimsa e tapas), deve considerar alguns desafios que nos pareçam
inatingíveis, que provoquem e quebrem nossos paradigmas, assim como o bom senso
de realizar esta busca com a devida paciência e aceitação de que a CORAGEM
vence o MEDO, mas o medo ainda permanece. Ele nos lembra da não-violência.
Namaste.
Leia também o artigo "Apesar do Medo", de Suzana Herculano-Houzel, publicado na Folha de São Paulo em 01/10/2013