8 de out. de 2013

Quem tem medo de cair?



Por Ivan Zacharauskas



Há alguns anos, começando a praticar hatha yoga, lembro-me de numa aula estar buscando o equilíbrio em pouso sobre a cabeça (salamba sirsasana) e sentir, de início lentamente e depois cada vez mais rápido, a queda de costas e o inevitável aproximar-se do chão do qual nada passa. Deixei-me cair, rolei com o corpo solto e a queda foi tranquila.


Tempos depois, dando aulas na mesma escola, um aluno perguntou-me o motivo de praticarmos pouso sobre a cabeça, quando tantas outras posturas invertidas estavam disponíveis no hatha yoga. Estudei minha prática pessoal, refleti e busquei uma resposta para as aulas seguintes.



Manifestei minha opinião de que um professor de hatha yoga, uma prática claramente psicofísica, sempre deveria explorar, com o devido conhecimento necessário, os aspectos psicológicos das posturas (asanas).

Neste sentido, ao realizarmos uma postura da vela, na qual podemos claramente visualizar nosso corpo acima de nossa cabeça e sentir nossos ombros bem apoiados no chão, na qual podemos facilmente pressentir e visualizar uma eventual queda de costas, não há este medo, não há este receio de cair para o desconhecido, não há esta entrega ao cair igual ao que faria uma criança ou uma pessoa sem o tal MEDO.


Quando há o medo, o corpo se enrijece e a queda é dolorida. Ao contrário, quando praticamos o pouso sobre a cabeça com posturas e movimentos preparatórios, conhecendo e conquistando cada passo, inclusive e principalmente as diversas possibilidades de queda, nos tornamos confiantes, nos entregamos de corpo, mente e alma à prática e à postura. Conquistamos de fato a postura e ela, efetivamente, pode tornar-se relativamente "estável e confortável".


Voltando ao aluno, foi com muita emoção que recebi seu depoimento sobre o quanto sua vida havia mudado após haver conquistado o pouso sobre a cabeça, após ter vencido seu MEDO com CORAGEM. Seus relacionamentos ficaram mais tranquilos, seus desafios no trabalho começaram a ser vencidos com maior flexibilidade e determinação, sua aceitação de si mesmo e de sua capacidade de trabalhar as adversidades foi fortalecida.

Acredito que uma prática de hatha yoga, na qual buscamos o equilíbrio entre não-violência e determinação (ahimsa e tapas), deve considerar alguns desafios que nos pareçam inatingíveis, que provoquem e quebrem nossos paradigmas, assim como o bom senso de realizar esta busca com a devida paciência e aceitação de que a CORAGEM vence o MEDO, mas o medo ainda permanece. Ele nos lembra da não-violência.

Namaste.

Leia também o artigo "Apesar do Medo", de Suzana Herculano-Houzel, publicado na Folha de São Paulo em 01/10/2013