2 de jun. de 2015

Yoga é sair do automático

Por Vanessa Malagó

Em seu comentário sobre os Yoga Sutras, Rohit Mehta (1995) afirma que Yoga é um estado de mente completamente livre de todas as tendências reativas.  “Quando dizemos que estamos pensando, na verdade, estamos envolvidos em um forte processo de reação. Com o passar do tempo, esses centros de reação tornam-se mais e mais fortes. Forma-se dentro da mente uma cadeia de reações. Estas tendências reativas tornam-se nossos hábitos. Acostumamo-nos tanto com elas que começamos a considerar o hábito nossa segunda natureza. Na verdade, a segunda natureza transforma-se em nossa única natureza, pois somos alheios a qualquer condição da mente que seja livre dos centros reativos. Patanjali diz que o Yoga consiste em dissolver esses centros de reação. Devemos lembrar que o Yoga não significa o desenvolvimento de novos hábitos em oposição aos antigos. Requer a dissolução do próprio centro do hábito. Uma mente na qual não há centro de reação ou hábito, é realmente, uma mente livre.”

Os kleshas -tema de nosso artigo anterior, Klesas: As raízes do sofrimento- estão intimamente relacionados a esse processo de reação e condicionamento da mente. Os kleshas atuam como impedimentos para vivermos o presente de forma plena, mantendo-nos constantemente presos às nossas experiências passadas.

Todas as nossas ações e experiências produzem impressões no inconsciente, que no yoga chamamos de samskara. Samskara é um termo sânscrito, derivado da raiz KR (fazer, executar), que, com o acréscimo do prefixo Sam- adquire o sentido de acumular, compor, elaborar. Tais acumulações não são apenas memórias que podem ser resgatadas pela consciência ou vestígios passivos das nossas ações e desejos. Elas determinam nossa linha de comportamento e nossas reações, são forças dinâmicas que constantemente impelem a consciência para a ação. São responsáveis pelos nossos hábitos, apegos, desejos e medos. Ficam armazenadas no inconsciente, esperando sua manifestação diante de circunstâncias semelhantes que se repitam. “Lá do fundo, esse conteúdo comanda o nosso comportamento dito voluntário e consciente; comanda o que somos, queremos, sentimos, dizemos, fazemos e pensamos.” (Hermógenes, 2001)


Estamos constantemente vivendo e respondendo à influência de nossos samskaras, enquanto também estamos criando constantemente novos samskaras. Nossos pensamentos, palavras e ações neste momento chegam moldados por nosso passado e  influenciarão o nosso futuro.

Os samskaras criam no subconsciente um impulso, uma tendência latente, que chamamos de vasanas. Os vasanas aparecem de forma sutil nos traços de personalidade e em nossos padrões de hábito.

“Mesmo quando atingimos conscientemente um patamar superior de compreensão, no qual repudiamos antigos comportamentos que eram baseados numa visão menos adequada da realidade, os vasanas por eles construídos continuam a atuar, como um veículo embalado continua a marcha, por sua própria inércia. E cada vez que, sem querer, voltamos a agir sob sua influência, é como se o veículo recebesse um novo impulso.” (Figueiredo, 1997)

Nas palavras do professor Hermógenes (2001) “Conforme sejam vasanas e samskaras, assim somos nós; assim é nosso destino. O que pensamos, sentimos e fazemos, tudo decorre de vasanas e samskaras. Esses componentes de nosso ser profundo ali foram acumulados por nossas ações passadas. Conforme tenham sido – puras ou impuras, positivas ou negativas, por nós ou contra nós, construtivas ou destrutivas – haverá saúde, paz, felicidade, alegria ou doença, desventura, ansiedade...”

Essas noções de vasanas e samskaras dão uma explicação à conhecida Lei do Karma.  Karma vem do verbo Kr, que significa agir. Karma é ação e consequência da ação. A lei do Karma nos mostra como nossas ações mentais, verbais ou físicas marcam nossa mente, gerando consequências às quais não podemos escapar. Karma é muitas vezes erroneamente interpretado como sina, no sentido de algo que independe de nosso livre arbítrio. Pelo contrário, somos intrinsecamente livres e responsáveis por nossos atos.  

Mas como nos livrarmos desse ciclo?  Como evitar a repetição contínua desses padrões de reação? O yoga nos ensina a sair do automático, de forma que possamos agir e não reagir, e nos apresenta diversas técnicas que tem por objetivo depurar e aclarar a mente, descondicionando-nos desses acúmulos delimitantes da consciência.

Krishnamurti (1977) nos fala que o estado mental condicionado só pode ser descoberto pela observação objetiva de nós mesmos. Segundo ele, isso não se dá através do pensamento ou de nossa capacidade intelectual, mas de “uma capacidade não cultivada através do tempo: a capacidade de olhar” “A ‘observação de nós mesmos’ se nos afigura uma das coisas mais difíceis do mundo – vermos a nós mesmos exatamente como somos, sem teorias de espécie alguma, sem desespero nem esperança, sem exigências nem opiniões: vermos simplesmente a nós mesmos. A menos que o façamos, não percebo de que maneira possamos transcender esse limitado e estreito círculo em que estamos vivendo.”

 Somente em silêncio a mente poderá compreender e olhar. Esse é o fundamento do Ashtanga Yoga, o método que Patanjali nos apresenta e que trataremos em nosso próximo artigo.

“Se vos tornardes cônscio, sem escolha, de que a mente está toda condicionada, conhecereis então, ou começareis a sentir, a “cheirar”, a “provar” aquele extraordinário estado de liberdade. Começareis- pois não o tereis ainda, e não deveis fugir levando apenas o cheiro do perfurme.”(Krishnamurti, 1977)

Referências:
- FIGUEIREDO, Maria Alice- Yoga Vidya, A Sabedoria do Yoga – Conceitos Fundamentais, Texto disponível em: http://www.yoga.pro.br/artigos/364/3022/samskaras-e-vasanas
- GULMINI, Lilian – Tese de mestrado USP – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - O Yoga Sutras de Patanjali – Tradução e análise da obra à luz de seus fundamentos contextuais, intertextuais e lingüísticos. – 2002
- HERMÓGENES, José – Yoga para Nervosos, 35ª. Ed. , Editora Nova Era – 2001
- KRISHNAMURTI, Jiddu – A libertação dos condicionamentos – 1ª. Ed., Instituição Cultural Krishnamurti - 1977
- MEHTA, Rohit – Yoga a Arte da Integração – 1ª. Ed., Editora Teosófica – 1995